Ao todo, tramitam no STF 11 ações contra mudanças aprovadas pela reforma, como o trabalho intermitente e a ampliação dos acordos individuais
Nelson Jr./SCO/STF
Aprovada pelo Congresso Nacional em 2017, durante o governo do ex-presidente Michel Temer, a reforma trabalhista deve voltar à pauta neste ano, desta vez debatida pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Cinco anos depois de entrar em vigor, a legislação que flexibilizou e desburocratizou o mercado de trabalho pode sofrer alterações importantes na mais alta Corte do Judiciário.
Ao todo, tramitam nos escaninhos do Supremo 11 ações movidas contra mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – legislação criada no início dos anos 1940, sancionada por Getúlio Vargas durante o período do Estado Novo (1937-1945). Os processos tratam de sete temas relacionados à reforma trabalhista.
O número de ações apresentadas ao STF contra pontos aprovados na reforma chegou a 40, mas grande parte delas já foi considerada improcedente pela Corte. As 11 ainda pendentes de julgamento tratam de sete temas principais, entre os quais o contrato de trabalho intermitente, questionado nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 5826, 6154 e 5829.
“O legislativo é convocado para tomar decisões quando o legislador não atuou de forma clara. A reforma trabalhista é um bom exemplo disso”, avalia Cássio Faeddo, sócio do escritório Faeddo Advogados.
Trabalho intermitente
A legislação brasileira apenas permite a modalidade de contrato para trabalhos esporádicos, em que haja alternância entre períodos de prestação de serviços e de inatividade. Por esse modelo, o funcionário só recebe pelo período efetivamente trabalhado, e os direitos trabalhistas (como férias e 13º) são pagos proporcionalmente. No ano passado, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), mais de 276 mil trabalhadores foram contratados sob esse formato.
O julgamento sobre o contrato intermitente teve início em dezembro de 2020 no STF, mas acabou suspenso por um pedido de vista da ministra Rosa Weber, atual presidente da Corte. Em novembro de 2021, o caso foi transferido para o plenário virtual do Supremo, mas neste ano deve ser novamente analisado pelo colegiado no plenário físico do tribunal.
Quatro ministros já votaram sobre o tema. O relator, Edson Fachin, considerou que os contratos intermitentes podem causar insegurança jurídica e não garantem “suficientemente” os direitos trabalhistas dos empregados – ele foi acompanhado por Rosa Weber. Nunes Marques e Alexandre de Moraes, por sua vez, divergiram dos dois magistrados, entendendo que a modalidade traz benefícios a empregados e empregadores.
“Quando houve a inclusão desse tipo de contratação na CLT, muito se falou sobre algo que viria para formalizar o ‘bico’. O que tem se debatido é que esse contrato não dá muita segurança para o trabalhador. Para que esse funcionário possa auferir uma renda significativa, ele necessita ter vários contratos intermitentes com diversos empregadores”, pondera Priscila Moreira, advogada trabalhista do escritório Abe Advogados.
Para Faeddo, é possível que o STF não revogue completamente o trabalho intermitente, mas que estabeleça novas condições para esse tipo de contratação. Na visão do advogado, poderia haver limitações de setores que poderiam abrir vagas de emprego intermitente, como eventos e o comércio. Além disso, a Lei poderia estipular um valor mínimo de horas de trabalho, além de um piso para remuneração e contribuições.
Cálculo de dano moral e jornada 12 por 36
Outro ponto que deve ser analisado pelo STF trata do tabelamento de indenizações por dano moral na Justiça do Trabalho, instituído pela reforma. Até o momento, apenas o ministro Gilmar Mendes votou sobre o tema, mantendo o que está estipulado na legislação aprovada em 2017, que vincula o valor das indenizações à remuneração dos empregados. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista de Nunes Marques.
Os ministros do STF também terão de deliberar sobre a possibilidade de a chamada jornada de trabalho 12 por 36 (12 horas de trabalho por 36 horas de descanso) ser pactuada por meio de acordos individuais, sem a intermediação de sindicatos. Esse formato, em geral, é adotado em setores como o hospitalar e o de segurança, que precisam de atividade durante o dia e a noite.
A Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) ingressou com uma ação no STF alegando que a norma viola a Constituição – que, no inciso XIII do artigo 7º, fala em duração da jornada não superior a oito horas diárias e 44 horas semanais.
Já aposentado do STF, o relator do caso, ex-ministro Marco Aurélio Mello, votou pela inconstitucionalidade do dispositivo aprovado na reforma trabalhista. Gilmar Mendes pediu vista e interrompeu o julgamento.
“Apesar de, em um primeiro momento, a jornada de 12 por 36 horas parecer contrária ao que a Constituição prega, se observarmos o módulo semanal e mensal, acabamos tendo uma jornada até menor do que um contrato de 8 horas diárias. É uma jornada que está consolidada em algumas áreas, já é praxe esse contrato de 12 por 36”, defende Moreira, do Abe Advogados.
Já Cássio Faeddo pondera que muitos empregadores têm usado da negociação individual para estabelecer jornadas mais longas, que descumprem o período de descanso. A Justiça acompanha ações de trabalhadores que atuam na jornada de 12 por 36 horas e que foram obrigados a aderir a um banco de horas para creditar o período de horas extras trabalhadas na janela das 36 horas que deveriam ser de folga.
Acordos coletivos
Outro assunto que deve ser decidido no plenário do Supremo envolve os acordos e convenções coletivas. O tribunal terá de decidir se o que foi acordado coletivamente pode se sobrepor ao legislado. O artigo 611-A da CLT permite a prevalência dos acordos sobre a lei.
Nesse caso, não se trata de uma ADI, mas de um recurso extraordinário com agravo apresentado ao STF. Gilmar Mendes, o relator, votou favoravelmente à observância dos acordos, mesmo se, eventualmente, restringirem direitos trabalhistas. Um pedido de destaque de Rosa Weber suspendeu o julgamento.
Os ministros do Supremo ainda devem se debruçar sobre uma ação que trata da dispensa dos sindicatos nas demissões imotivadas individuais ou coletivas e na homologação de acordos de trabalho na Justiça. O julgamento ainda não foi iniciado – o relator é o ministro Edson Fachin.
O caso específico que chegou ao STF é anterior à reforma trabalhista, que equipara a demissão coletiva à individual e dispensa a negociação. Trata-se de um episódio que envolveu uma demissão coletiva de cerca de 4 mil funcionários da Embraer, em 2009.
Ainda tramita na Corte uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) também relacionada aos acordos coletivos. A ação discute a manutenção dos efeitos desses atos após o fim de sua vigência.
A petição foi apresentada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), que se opõe à Súmula 277 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que permite a incorporação de cláusulas coletivas ao contrato de trabalho individual. Para a entidade, o tribunal o TST estaria dando validade às convenções ou acordos coletivos, apesar de isso ter sido vetado pela reforma.
Há, ainda, um processo relacionado aos novos requisitos para as ações trabalhistas, como a exigência de que as peças contemplem a liquidação do débito por meio de um valor determinado – o que levaria a uma dificuldade de ordem prática, pois o trabalhador teria que calcular corretamente os valores de todos os pedidos.
Os ministros da Corte também precisam analisar as alterações feitas pela reforma na edição de súmulas trabalhistas. Até 2017, essas súmulas eram aprovadas por maioria simples no TST, composto por 27 ministros (eram necessários, portanto, 14 votos). Com a reforma, agora são necessários dois terços dos votos (18). O único a votar foi o relator, Ricardo Lewandowski, que entendeu que os novos critérios são inconstitucionais.