“Sou favorável que essa literatura amazônica, que não chega às salas de aula, seja cada vez mais socializada. E isso só vai ocorrer se elas forem reeditadas”, comentou Isaac Melo.
O professor, filósofo e poeta Isaac Melo, nascido em Tarauacá (AC), e hoje residente da capital Rio Branco, não mede esforços para resgatar a memória bibliográfica da Amazônia, por entender que “é a partir da nossa realidade que passamos a conhecer o mundo”.
Ele disse tomou gosto pelos livros e pela leitura ainda criança, observando o irmão mais velho ler os livros que trazia da escola para os seus pais, que eram analfabetos.
O interesse por livros sobre a Amazônia veio da leitura de Terra caída, de José Potyguara, um migrante nordestino radicado no Acre.
Isaac explica que se identificou com esse livro porque ele falava de seringais e seringueiros, enquanto os livros que havia lido, anteriormente, tratavam de outras realidades, principalmente das do sul do País.
“Esse livro abriu a minha visão para a Amazônia”, disse.
Desde então, ele conta que passou a frequentar as bibliotecas em busca de livros com temas amazônicos.
Quando conseguiu suas próprias economias, passou a frequentar livrarias, bancas de revistas, sebos e agora as bibliotecas virtuais em busca de raridades sobre a região: livros, jornais, iconografias, fotografias etc.
“Hoje emprego ao menos metade do meu salário de professor em livros”, salientou.
Possuidor de vasto acervo bibliográfico regional raro, o professor acredita que o seu trabalho é o de um memorialista preocupado em compreender os contextos pelos quais a Amazônia foi inventada e os porquês das suas peculiaridades atuais.
A escritora Leyla Leong e Isaac Melo, na Manhã Cultural do Mindu
Foi a atividade de memorialista que fez Isaac Melo manter contato com a Editora Valer e conhecer o editor Isaac Maciel.
“Foi a editora Valer que começou a resgatar essas obras que estavam sumidas. Muitas delas há séculos e décadas. Eram obras esgotadas e difícil de ser encontradas”, pontua o professor.
No começo do mês passado, Isaac Melo esteve em Manaus, a convite da Valer, para participar da 5.ª Manhã Cultural do Mindu, realizada pela editora.
“Sou favorável que essa literatura amazônica, que não chega às salas de aula, seja cada vez mais socializada. E isso só vai ocorrer se elas forem reeditadas”, comentou.
Divulgador
Para divulgar a sua arqueologia livreira, poemas de sua autoria e suas leituras, que incluem, também, obras recém-lançadas, Isaac Melo mantém o Alma acreana, um blog literário, por meio do qual ele interage com os leitores internautas.
“A ideia é a partilha de saberes. Não quero que esses livros fiquem sobe minha posse. Não sou colecionador. Meu desejo é que essas obras raras voltem ao mercado para ser discutidas pelos leitores”.
Isaac Melo acentua que procura, por meio das suas ações de memorialista e divulgador literário, erguer pontes entre escritores, poetas, pesquisadores e leitores dos estados amazônicos. “Sou pela socialização do conhecimento. Quanto mais compartilharmos livros e pensamentos entre nós, melhor”, reafirma.
Nesse contexto, a Valer, para ele, desempenha um papel fundamental para ao menos reduzir o provincialismo intelectual que afeta a região há séculos.
“O provincialismo, que nos afeta há séculos, precisa ser combatido. Panelinhas intelectuais daqui e dali não interessam a ninguém. Aliás, só interessam àqueles que servem ao obscurantismo”, acentua.
O memorialista destaca que adquiriu muitas obras estavam fora do mercado, algumas há mais de cem anos, graças às publicações da Valer. “Meu desejo é que mais editoras tomem esse tipo de iniciativa”, disse.
Perfil
Isaac Melo é lcenciado e especialista em filosofia pela PUC-PR
Professor da Rede Estadual de Ensino Acre
Em 2017, foi agraciado com a medalha Mário de Andrade, outorgada pelo IPHAN, pelos relevantes serviços prestados à cultura acreana.
É autor de Memórias de barrancos (Nepan, 2020), sobre o qual o critico literário e membro da Academia Amazonense de Letras (AAL) Zemaria Pinto comenta: “
[…] é um livro singular. Sua primeira qualidade é fugir de modismos e hermetismos inócuos, construindo uma poesia que tem cores e odores próprios. Uma poesia sensorial, que quase pode ser tocada. E que os idiotas – os daqui e os de lá – chamariam de regionalismo, como se isso fosse um crime de lesa-literatura e não um atributo para além do meramente acessório, o que leva à segunda qualidade do livro: sua universalidade. Calcada no contemporâneo, longe de se datar, colabora com a compreensão do que acontece para além do noticiário ordinário, atrelado a facções e a discursos que entendem a obra de arte apenas na sua superfície visível a olho nu com a mente em suspensão […]