Jogos de azar se popularizam entre alunos e comprometem o ensino em sala de aula

Sites de apostas e cassinos online já contrataram influenciadores mirins para divulgação de jogos de azar entre o público juvenil


Joédson Alves/ Agência Brasil

A ânsia em ganhar dinheiro fácil e rápido com apostas e cassinos online, como as “bets” e o “Jogo do Tigrinho”, tem se manifestado cada vez mais cedo entre a população. Além dos prejuízos financeiros e da dependência dos usuários, agora o interesse pelos estudos tem sido colocado em xeque por parte de crianças e adolescentes que acessam as plataformas.

“Como professor, eu vejo que, no caso do ensino médio, por exemplo, alguns alunos não querem mais saber de estudar... Eles já chegaram a me perguntar: “Professor, para que eu vou estudar se eu estou ganhando dinheiro?”, “Não preciso do estudo mais para ganhar dinheiro!”, relata o docente da rede estadual de Mato Grosso e dirigente do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público de Mato Grosso (Sintep-MT), Gilmar Soares Ferreira.

Segundo conta o professor, a dependência nos jogos também tem alcançado os estudantes mais jovens do ensino fundamental. De acordo com um levantamento feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), 22% dos adolescentes entrevistados dizem ter apostado pela primeira vez em jogos de azar com 11 anos ou menos; outros 78% afirmam ter começado aos 12 anos.

"A promessa de dinheiro fácil, somada ao acesso cada vez mais facilitado a essas plataformas, têm levado um número crescente de jovens a desenvolver comportamentos compulsivos e, em muitos casos, vício em jogos de azar. A situação é alarmante, já que esse vício não apenas compromete o desenvolvimento psicológico e social desse público, mas também interfere diretamente em sua trajetória educacional e financeira", explica a psicóloga da rede Daltro, Larissa Senger.

A dedicação que até então era para os estudos tem sido direcionada para faturar nos jogos online, tomando o lugar de prioridade na vida dos estudantes. “A mudança de comportamento do aluno é brutal. Um estudante que antes dialogava, agora é um aluno que não se propõe mais a participar das conversas, se fecha, não tem disciplina, quer entrar ou sair da aula na hora que quiser. Os acordos e regras estabelecidas no coletivo são difíceis de serem cumpridas”, lamenta Gilmar.

Legalização e propaganda

Desde a sanção da lei n.º 13.756, que regulariza apostas com quotas fixas, em 2018, o número de casas de apostas online tem crescido expressivamente. Segundo um estudo da DataHub, instituição que documenta dados não sensíveis a partir de fontes públicas, até o primeiro trimestre de 2023, mais de 500 sites de apostas obtiveram licenciamento na categoria “exploração de jogos de azar e apostas não especificados anteriormente” do Cadastro Nacional de Atividades Econômicas do IBGE.

Outros 227 sites tiveram a atividade encerrada. Mas ainda há um número não contabilizado daqueles que atuam ilegalmente. O Jogo do Tigrinho é um desses.

Nas redes sociais, onde a publicidade é mais intensa, o público juvenil também tem se tornado alvo das divulgações que prometem dinheiro fácil.

Em junho deste ano, o Instituto Alana, por meio do programa Criança e Consumo, denunciou a empresa Meta, dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, ao Ministério Público de São Paulo sobre o uso de influenciadores mirins, entre 6 e 17 anos, para promoção de sites de apostas e cassinos online. Segundo o Instituto, o objetivo era responsabilizar a plataforma pela exploração comercial de crianças e adolescentes.

A popularização dos jogos de azar entre estudantes é um problema sério que afeta não apenas o rendimento escolar, mas também o futuro emocional e financeiro de milhares de jovens. Portanto, a conscientização sobre os riscos desse vício e a implementação de estratégias eficazes de combate são essenciais para garantir que a juventude tenha um desenvolvimento saudável e equilibrado, com foco na educação e na formação pessoal e profissional.

“O que começa como uma diversão pode rapidamente se transformar em uma armadilha perigosa. A compulsão por apostar resulta em longas horas dedicadas aos jogos, muitas vezes em detrimento dos estudos e outras atividades essenciais para o desenvolvimento juvenil”, conta a psicóloga Larissa.

Para ela, é urgente que pais, educadores e o governo tomem medidas preventivas voltadas para educação digital, abordando os perigos do vício em jogos e apostas.

“Além disso, o aumento da regulamentação desses sites de apostas, especialmente no que tange ao público jovem, é fundamental para proteger o desenvolvimento saudável das novas gerações”, completa.

Dependência e endividamento

A população brasileira já soma em média 2 milhões de pessoas viciadas em jogos, revela pesquisa feita pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo. Estima-se que R$150 bilhões sejam movimentados pelo mercado dos jogos e apostas anualmente.

Entre a parcela financeiramente mais vulnerável da população, a preocupação está com o uso da verba de programas sociais como Bolsa Família e o Programa Pé-de-Meia.

No dia 24 de setembro, o Banco Central divulgou uma nota técnica reportando que participantes do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões com apostas em transferências por Pix, somente no mês de agosto.

Há a previsão de que, ainda no mês de outubro, o governo federal envie ao Congresso Nacional um projeto de lei que proíbe o uso de celulares dentro das salas de aula de escolas públicas e privadas. A proposta faz parte do compilado de ações que buscam reduzir o excesso do uso de telas por crianças e jovens e melhorar a atenção dos estudantes durante as aulas.

Segundo aponta a secretária de Assuntos Educacionais da CNTE, Guelda Andrade, o uso do celular é um fator que tende a contribuir de forma significativa para a desatenção em todas as idades, mas, especialmente entre crianças e adolescentes, tem trazido prejuízos para o aprendizado em sala de aula.

“Ficam o tempo inteiro vidrados no celular, com o foco em outras questões, e o impacto negativo disso está na não aprendizagem em sala de aula. Sem contar os transtornos que causam para o professor, que, muitas vezes, acaba perdendo o controle da disciplina e organização”, relata.


De acordo com a médica psiquiatra e presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr), Renata Figueiredo, a influência da família pode ser um fator determinante para que crianças e adolescentes desenvolvam problemas com jogos online.

"Famílias que não estabelecem limites claros em relação ao tempo de uso de telas ou que oferecem pouca supervisão podem contribuir para o uso desregulado desses jogos. A falta de diálogo sobre os riscos do uso excessivo e a ausência de alternativas de lazer e interação social podem aumentar a chance de dependência. A dinâmica familiar que envolve estresse ou falta de apoio emocional pode fazer com que a criança busque refúgio nos jogos como uma forma de escape", detalha.

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