Plenário da Câmara: governo negocia a liberação de emendas parlamentares para aprovar a reforma administrativa.| Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados
A reforma administrativa travou no plenário da Câmara dos Deputados e corre o risco de não ser aprovada. O governo, na figura do ministro da Economia, Paulo Guedes, insiste com o Palácio do Planalto e com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para que a matéria vá à votação.
O chefe da equipe econômica foi avisado, contudo, que o governo ainda não tem o mínimo de 308 votos necessários para aprovar a proposta de emenda à Constituição (PEC) 32/2020. Guedes ainda foi comunicado que, para obter sucesso nos dois turnos da votação, seria necessário negociar a liberação de emendas parlamentares não impositivas – as chamadas emendas extras, que não são de execução obrigatória no Orçamento – para garantir o voto favorável de congressista.
As negociações são de R$ 20 milhões em emendas extras por parlamentar, segundo afirmaram à Gazeta do Povo diferentes lideranças da base governista, entre nomes do Centrão e apoiadores de Bolsonaro. As emendas são negociadas nos bastidores e seriam liberadas por meio de recursos de emendas do relator do Orçamento de 2022, Hugo Leal (PSD-RJ).
A proposta é de pagar as verbas apenas àqueles parlamentares que votarem a favor da proposta nos dois turnos. Os 308 votos mínimos para aprovar a PEC 32 custariam R$ 6,16 bilhões aos cofres públicos.
As negociações são tratadas nos bastidores entre Lira e Guedes, que segue disposto a ser o fiador da reforma administrativa, a despeito do desinteresse do Planalto. A articulação política do governo foi avisada por aliados da base governista dos desgastes que a matéria gera junto ao eleitorado e também sabe dos riscos eleitorais que a aprovação do texto pode causar à candidatura do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) à reeleição.
Por esse motivo, o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, não se engajou pessoalmente nas discussões pela aprovação da PEC 32, embora não esteja à margem das conversas entre Lira e Guedes. Costuras políticas envolvendo emendas não impositivas não ficam na alçada da Secretaria de Governo, que é responsável pelas tratativas apenas das emendas impositivas, individuais e de bancada.
A prioridade do Planalto na Câmara é a aprovação da chamada PEC dos precatórios, a 23/2021, que permite o parcelamento das dívidas do setor público reconhecidas pela Justiça e abre espaço orçamentário para a ampliação do Auxílio Brasil, que por enquanto tem garantida no Orçamento praticamente a mesma verba que seu antecessor, o Bolsa Família.
Quais são as chances de aprovação da reforma administrativa
Mesmo com a negociação de liberar R$ 20 milhões em emendas extras aos parlamentares, a possibilidade de aprovação da PEC 32 é vista, hoje, como improvável por integrantes da base do governo e interlocutores do Planalto. Até por esse motivo, o acordo é não liberar os recursos de antemão sem a garantia dos 308 votos.
O governo guardou a liberação de emendas extras como uma "bala de prata" para obter sucesso nas pautas mais urgentes e sensíveis, a exemplo da PEC dos precatórios, e poderia acabar optando por liberar recursos para uma votação ou outra.
"O compromisso é de liberar R$ 20 milhões só pela reforma administrativa", afirma um deputado governista, que não vai votar pela PEC 32. "É um montante que não se converte para mim em voto suficiente pelo que eu perderia de votos da opinião do meu eleitorado", complementa.
Diferentes parlamentares da base ouvidos pela Gazeta do Povo rejeitam a PEC 32, mesmo com a promessa de liberação de emendas. Alguns ressaltam que o governo não tem honrado os compromissos firmados. O jornal "O Estado de São Paulo" informou que, por investigações sobre a liberação de emendas não impositivas, o Planalto tem segurado a liberação de recursos de emendas de relator indicadas por senadores.
Outros parlamentares da base rejeitam a PEC 32 e os R$ 20 milhões prometidos por contrariedade ao texto e à "compra" de voto para a matéria. O deputado Felício Laterça (PSL-RJ) é um deles. "Se quero falar em milhões, quero falar e acreditar nos mais de 20 milhões de brasileiros que são servidores públicos e naqueles que acreditam no serviço público e dependem dele", diz.
O presidente da Câmara tem conversado com parlamentares e sentido esse clima desfavorável pela aprovação da PEC 32. A líderes e aliados próximos, Lira tem reconhecido as dificuldades de atingir os 308 votos favoráveis. Há uma relação muito simbiótica entre Lira e o governo, que permite a ele operar a máquina junto de Ciro Nogueira e negociar emendas e cargos, como um interlocutor informal, e fazer a contagem de votos.
A meta de Lira é colocar o texto em votação apenas quando e se obtiver os votos. "É perigoso colocar para votar e perder", explica uma liderança partidária da base, que defende a discussão da matéria só após as eleições de 2022.
"Agora, que já é um desgaste para todos e, também, para o próprio presidente [Bolsonaro], deixa para daqui um ano. Os reflexos econômicos não são imediatos, porque não está tirando direitos de quem já está no serviço público", complementa.
Por que Lira e Guedes querem a reforma e quais as dificuldades de aprovação
O presidente da Câmara e o ministro da Economia ainda vão insistir com a reforma administrativa. Eles entendem que a não aprovação pode trazer impactos negativos para o país, como a imagem que passaria aos investidores. Na leitura feita por eles e outras lideranças político-partidárias, o mercado poderia entender que o Congresso e o governo abandonaram a pauta liberal.
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Além dessa leitura, Lira almeja a aprovação da reforma por entender que seria uma grande demonstração de força política. O deputado Rodrigo Maia (sem partido-RJ), ex-presidente da Câmara, aprovou a reforma da Previdência e Lira também quer deixar sua marca como um "reformista". "Mas essa não é uma pauta cara para o governo neste momento", avisam interlocutores do Planalto.
Guedes, por sua vez, é cobrado para entregar uma agenda reformista e de privatizações. Mas, até o momento, a leitura feita por investidores e parlamentares é de que ele pouco avançou nas desestatizações e reformas estruturantes, exceção feita à da Previdência.
O chefe da equipe econômica quer aprovar a reforma administrativa como demonstração de força, sobretudo após um consórcio de veículos de comunicação apontar que Guedes tem US$ 9,55 milhões na conta de uma sociedade "offshore" controlada por ele e ter sido convocado pela Câmara para explicar as denúncias.
O problema é que o caso elevou a animosidade entre o chefe da equipe econômica e parlamentares. O ministro já vinha sendo cobrado nos bastidores por parlamentares do Centrão e até apoiadores de Bolsonaro quanto ao aumento da inflação, sobretudo do gás de cozinha e dos combustíveis.
Pouco a pouco, a agenda liberal de Guedes passou a ser vista como intolerável no atual quadro econômico e político. Os congressistas da base críticos ao ministro defendem mudanças da pauta econômica até mesmo para evitar maiores perdas ao capital político de Bolsonaro. É por isso que, na avaliação deles, a impopularidade da reforma administrativa aumentou muito em tão pouco tempo. "Não adianta votar para aprovar tudo, inclusive a administrativa, desgastar o presidente e eleger o [ex-presidente] Lula", critica uma liderança.
Oposição à reforma administrativa quer derrubar a PEC em plenário
A despeito dos cálculos políticos feitos por Arthur Lira, a oposição à reforma administrativa quer colocar a matéria em votação no plenário. A estratégia é capitalizar politicamente a rejeição ao texto junto às bases. Até mesmo deputados de centro entendem que poderiam colher frutos do voto contrário junto ao eleitorado.
O deputado Professor Israel Batista (PV-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público (Servir Brasil), admite a ideia da oposição em procurar Lira após seu retorno da Itália. Os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), embarcaram na terça (5) para Roma, onde participarão da 7.ª Cúpula de presidentes dos Parlamentos de países do G20.
"Pode ser que, com o retorno dele, vamos pedir para pautar [a PEC 32], já que a nossa impressão é de que temos mais votos, mas isso ainda não foi definido", explica. "De fato, existe uma demanda de deputados para que possam mostrar às suas bases quem ficou contra o texto, ainda mais em um ano pré-eleitoral", acrescenta Israel Batista.
O parlamentar destaca os apoios que tem recebido na Câmara como um dos pontos que o leva a acreditar ter votos para derrubar a PEC. Na quarta-feira (6), ele organizou um café da manhã e recebeu o presidente em exercício da Casa, Marcelo Ramos (PL-AM), e o presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, Capitão Augusto (PL-SP), que fechou compromisso de votar contra a reforma. "Reunimos forças muito diferentes dos diversos tipos de serviço público", celebra.
Israel Batista também credita parte de sua impressão a conversas com investidores da Faria Lima. Há duas semanas, ele viajou a São Paulo, onde se reuniu com agentes do mercado financeiro. Ele afirma ter ouvido deles uma desconfiança quanto à capacidade de articulação do governo em construir uma maioria para aprovar a reforma administrativa e evitar ainda mais mudanças e concessões ao texto.
"Para esses investidores, as reformas estruturantes, que atendem a elites de setores econômicos com as quais eu não concordo, estão saindo pior do que o texto original. Há, por parte deles, uma desconfiança generalizada. Acreditam que o governo não tem mais controle da própria base no Congresso", sustenta Israel Batista.
Frente Parlamentar da Reforma Administrativa mantém confiança pela aprovação
Deputados favoráveis à PEC 32 mantêm a confiança de que o texto será aprovado e não se deixam abalar por articulações contrárias. "Minha impressão é que quem não está muito empolgado com o texto é quem nunca esteve", analisa o deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), presidente da Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa.
Mitraud entende que a base pró-Bolsonaro – da qual fazem parte muitos deputados egressos das Forças Armadas e policiais – e até mesmo nomes do Centrão nunca se sentiram muito entusiasmados em apoiar a reforma. "Não vejo nesse sentido de que as pessoas estão mudando de posição. [Estão] apenas externando posições que sempre tiveram", complementa.
Mitraud não descarta, contudo, a existência de articulações contrárias ao texto. "Para mim, isso não chega. Mas eu acho que alguns parlamentares estão trabalhando para tentar dar essas desaceleradas, ou, no mínimo, não estão se esforçando para acelerar", diz. Porém, ele entende que Lira quer votar a matéria.
"Ao meu ver, há uma intenção do Lira de votar. Essa semana e a próxima são ruins para votar, mas a notícia que temos é que irá à votação na segunda quinzena de outubro", afirma o deputado do Novo. Mitraud também acredita que, se aprovada na Câmara, a PEC 32 iria a votação no Senado. "Me parece que o Pacheco também quer [votar]. Tive notícias de que ele é favorável a colocar a matéria em votação", destaca.
O presidente da bancada temática da reforma administrativa diz que ele e outros aliados da frente parlamentar acreditam na possibilidade de aprovação. "A meu ver, ela ainda seguirá o caminho natural. Foi aprovada há pouco mais de dez dias na comissão especial", destaca. A redação aprovada é um dos motivos da confiança. "O relator já foi bem generoso nas concessões aos policiais", explica. Ele não descarta, contudo, que o texto possa ser ainda mais alterado em plenário.
Como as emendas podem influenciar na votação da reforma
O texto da PEC 32 foi alterado sete vezes e, ainda assim, encontra resistência na Câmara. A Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa destaca que a redação manteve a estabilidade e avançou ao regulamentar o processo administrativo que pode levar à demissão por insuficiência de desempenho.
A Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público diz que a regulamentação de gestão da avaliação de desempenho deveria ser feita por projeto de lei complementar, não em uma PEC que "cria a farra das contratações temporárias e terceirizações", critica o deputado Israel Batista.
Na disputa entre os dois polos ideológicos sobre os rumos da administração pública, a hipótese de aprovação do texto não pode ser descartada, sobretudo se a articulação política calcada na liberação das emendas parlamentares extras for frutífera. E um dos motivos que poderia tornar isso viável é costura de acordos para a aprovação de emendas à PEC, que seriam votadas em destaques no plenário.
"Teve muitas emendas corporativistas apresentadas, especialmente das bases policiais que, se forem aprovadas, vão desfigurar ainda mais", diz o deputado Tiago Mitraud, que não descarta a possibilidade de votação e aprovação de destaques criticados por ele. Alguns, na prática, até "retirariam" da PEC 32 profissionais de segurança.
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Quatro emendas têm potencial negativo na análise feita pela frente parlamentar que defende a reforma, sendo duas na área da segurança. Uma exclui os futuros agentes da segurança da vedação de benefícios e privilégios. Outra estabelece uma série de benefícios e regras específicas para as carreiras da segurança, como garantia de promoção enquanto o policial estiver em cargo temporário.
Outra emenda estabelece como carreiras típicas de Estado professores, médicos e outras carreiras administrativas. Uma outra sugere estabelecer salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) como teto remuneratório de carreiras típicas de Estado e libera municípios a abandonar o teto dos prefeitos, o que poderia gerar aumentos de gastos com pessoal.
Outras três emendas, contudo, são vistas como positivas pelos defensores da reforma. Uma delas propõe a vedação da aposentadoria compulsória como modalidade de punição para membros de poder, inclusive os atuais. Outra, possibilitaria a inclusão de membros do Judiciário e do Ministério Público na reforma. Uma terceira veda aposentadorias vitalícias e o pagamento de licença remunerada para o servidor público disputar eleição.