A proposta apresentada por Bolsonaro facilita privatizações e atinge diretamente os empregados da Caixa e atuais servidores públicos
A Reforma Administrativa enviada por Bolsonaro ao Congresso Nacional tem o objetivo claro de acabar com direitos e a estabilidade dos servidores públicos, reduzir a atuação do Estado para facilitar as privatizações, aumentar os poderes do presidente da República e beneficiar os “amigos do Rei”. Esta é a opinião da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae).
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC 32/2020), enviada ao Congresso no dia 3 de setembro, atinge os servidores dos três poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário, nas três esferas da federação - União, estados e municípios. No entanto, poupa os parlamentares, juízes, desembargadores, ministros de tribunais superiores, promotores e procuradores – categorias com maior remuneração e benefícios no serviço público. Ou seja, os privilégios da elite do funcionalismo público não serão prejudicados.
Ao contrário do que afirma o governo Bolsonaro e a equipe econômica de Paulo Guedes, a reforma administrativa vai afetar também os atuais servidores públicos e empregados das estatais. Um exemplo é a demissão por mau desempenho, que já é estabelecida pela Constituição, mas ainda sem regulamentação, que hoje tem que ser por lei complementar. O governo deve enviar este texto para dispor sobre “gestão de pessoas”, e uma lei ordinária passará a reger os critérios e procedimentos para demissão por desempenho insuficiente.
Aos empregados das estatais, os acordos coletivos e convenções com objetivo de dar estabilidade ou evitar demissões não terão efeito. A PEC também fixa várias proibições sobre direitos e vantagens, que serão aplicados a todos, empregados e servidores, atuais e futuros, exceto se, para os atuais servidores ou empregados públicos, esses direitos já estiverem em lei. É neste sentido que proposta de reforma afeta diretamente os empregados da Caixa Econômica Federal.
“Está muito claro que a proposta não tem o objetivo de trazer mais eficiência, aperfeiçoar o modelo de Estado ou melhorar a sua capacidade de oferecer serviços públicos de qualidade. Esta reforma está concentrada na perseguição dos servidores públicos, destruindo direitos e acabando com a proteção constitucional para que desempenhem suas funções sem apadrinhamento político ou perseguições ideológicas”, avalia o presidente da Fenae, Sergio Takemoto.
“A perspectiva é sombria. É a estabilidade do serviço público, no caso dos estatutários, e a proteção contra demissão imotivada, no caso dos empregados públicos, que garante a proteção ao Estado. Ela ultrapassa governos e deve ser perene, mas é isso que o governo quer quebrar. Imagine que de quatro em quatro anos tudo mude de acordo com a posição do governo da ocasião? É a destruição do Estado e dos serviços públicos”, disse. De acordo com Takemoto, a PEC também abre brechas perigosas para corrupção, as famosas “rachadinhas”, e o uso meramente político da máquina pública. Ela amplia de forma absurda a possibilidade de uso de cargos em comissão, que passam a ser chamados “cargos de liderança e assessoramento”, e poderão ser usados, inclusive, para atividades técnicas.
O presidente da Fenae ressalta que a PEC apresenta diversos pontos com falhas conceituais que serão profundamente analisados pela Federação para destacar as questões mais prejudiciais ao empregado da Caixa, mas é possível apontar alguns pontos polêmicos. Confira:
Conheça os pontos mais polêmicos da Reforma:
Concentração de poder no presidente - De acordo com a reforma, o presidente da república poderá extinguir órgãos e cargos por decreto. E poderá também extinguir até mesmo autarquias e fundações públicas. Assim, o serviço público fica refém do governo da ocasião, que vai impor seu modelo de gestão e possibilitar a mudança completa da organização dos serviços de Estado a cada quatro anos e ao longo do mandato, sem qualquer participação do Legislativo e da sociedade.
Subsidiariedade - A proposta altera o artigo 37 da Constituição e insere a “subsidiariedade” como um dos princípios da Administração pública. Isso significa a redução drástica do papel do Estado, inclusive em serviços como saúde, educação e segurança, invertendo a lógica do funcionamento dos serviços públicos. É a materialização no texto constitucional de que o Estado tem um papel secundário e não deve competir com o mercado. Na prática, a atuação do Estado seria a exceção em vez da regra, impondo a predominância da visão privatista do governo Bolsonaro.
Fim da estabilidade e do Regime Jurídico Único – A proposta do Governo acaba com o Regime Jurídico Único (RJU) - que regula a relação entre os servidores e o poder público - e abre possibilidade para diversas formas de contratação com vínculos distintos, retirando direitos e precarizando as relações de trabalho. A PEC cria cinco grupos distintos de servidores, permitindo que novos servidores exerçam as mesmas atribuições, mas com direitos diferentes. Desta forma, a intenção do governo é vista pela Fenae como maneira de “dividir para governar”.
Um dos grupos será o de “cargos de liderança e assessoramento, com vínculos temporários”, que vão substituir os atuais cargos comissionados e funções simplificadas, e poderão ingressar por meio de seleção simplificada, sem concurso público. No entendimento da Fenae, a nova regra amplia a possibilidade de indicações políticas no serviço público e facilita a corrupção, a exemplo das “rachadinhas”. “Se o servidor fora das carreiras típicas de estado não quiser dividir seu salário ou não seguir a linha ideológica do seu chefe, ele será demitido?
É neste contexto que acaba a estabilidade para quase todos os servidores públicos. A garantia de emprego passa a ser atribuída apenas às carreiras típicas de Estado, que ainda não foram especificadas na proposta. Ainda assim, o servidor só vai adquirir estabilidade depois de dois anos do “vínculo de experiência” e permanecer por um ano em efetivo exercício com desempenho satisfatório. Os demais servidores devem cumprir 1 ano de vínculo de experiência e 1 ano de exercício efetivo para depois serem nomeados – sem qualquer estabilidade. É importante destacar que a proposta não definiu critérios para avaliar o desempenho dos servidores. Assim, a medida abre caminho para possíveis perseguições políticas, demissões imotivadas e a critério do governo que estiver no poder.
“A gente conhece, na prática, com quais critérios o desempenho dos trabalhadores são avaliados. Em um governo que elabora dossiê de servidores que pensam de maneira diferente dos governantes de plantão, o que podemos esperar? A perseguição política pode ser motivo de demissão”, avalia o presidente da Fenae.
Sérgio Takemoto se refere à produção de um suposto dossiê produzido pelo Ministério da Justiça com nomes e até fotografias e perfis nas redes sociais de 579 servidores federais e estaduais, identificados como antifascistas. Na terça-feira (8), o Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul (MPF/RS) abriu inquérito para investigar o caso e estipulou um prazo de 20 dias para que o Governo Federal dê informações sobre o assunto.
O Governo alega que o fim da estabilidade vai melhorar o serviço público. Na análise de Takemoto, sem esta garantia os servidores ficarão vulneráveis às pressões dos “governantes de ocasião”. “Estabilidade não é privilégio. É a garantia, a segurança para que o servidor cumpra estritamente o papel que seu cargo exige, sem medo de ser demitido por não ceder a pressões políticas, por exemplo”, opina. “O servidor e empregado público deve se sentir seguro para ter como meta apenas a prestação de serviços à sociedade e não para agradar seus superiores por medo de demissão. Sem esta garantia, não há segurança para ir contra decisões arbitrárias dos políticos de plantão”.
Enfraquecimento das estatais para facilitar privatizações – A tentativa do governo de tirar do Legislativo a competência para autorizar a venda de empresas públicas não é novidade. Além da alteração no artigo 37 da Constituição, que impacta as estatais, a PEC também altera o artigo 173. Ela insere o parágrafo 6º, que diz – “É vedado ao Estado instituir medidas que gerem reservas de mercado que beneficiem agentes econômicos privados, empresas públicas ou sociedades de economia mista ou que impeçam a adoção de novos modelos favoráveis à livre concorrência”. A proposta pretende reduzir a atuação do Estado e, ainda mais grave, das empresas estatais para fortalecer a tentativa de privatização e do livre mercado.
Ataque aos empregados das estatais – A inclusão do parágrafo 7º no artigo 173 é um dos mais graves ataques e afirma o objetivo do governo em enfraquecer as estatais e acabar com direitos de seus empregados. A nova regra anula as negociações coletivas ou individuais que concedam estabilidade no emprego ou proteção contra demissões para os empregados das estatais.
A discussão sobre despedida imotivada de empregados de empresa estatal é questionada há anos na Justiça. Mesmo que o ingresso no serviço público tenha ocorrido por meio de concurso, os empregados não são considerados servidores e, portanto, não têm estabilidade. A necessidade de motivação para dispensar empregados das empresas públicas e sociedades de economia mista, admitidos por meio de concurso público, aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
Com o texto expresso na Constituição proposto pela reforma administrativa, a intenção do Governo é enterrar, de vez, qualquer possibilidade de estabilidade em estatais. O argumento do Executivo é dar “tratamento equânime entre empresas estatais e privadas”, reforçando “a importância da livre iniciativa para o desenvolvimento da economia”.
A PEC 32/2020 restringe a concessão de outros direitos de servidores e empregados públicos, inclusive de empresas estatais. Alguns são:
- Férias em período superior a 30 dias por ano;
- Adicionais por tempo de serviço;
- Aumentos com efeitos retroativos;
- Licença-prêmio, licença-assiduidade ou outra licença decorrente de tempo de serviço, exceto se decorrente de limitação de saúde;
- Adicionais ou indenizações por substituição;
- Progressão ou promoção com base apenas no tempo de serviço;
- Incorporação, total ou parcial, da remuneração de cargo em comissão, função de confiança ou cargo de liderança e assessoramento ao cargo efetivo ou emprego permanente.
Para virar lei, a Reforma Administrativa precisa ser analisada pelo Congresso Nacional. Por se tratar de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), deve ser aprovada em duas votações na Câmara e duas no Senado, por três quintos dos parlamentares das Casas - 308 de 513 deputados e 49 de 81 senadores.
Até lá, a Fenae e demais entidades sindicais e representativas dos empregados vão realizar campanhas de mobilização da sociedade sobre os perigos da reforma e sensibilizar os partidos para impedir o desmonte do Estado pelo governo Bolsonaro. Para a Fenae, a PEC 32/2020 tem falhas conceituais graves e deve ser rejeitada pelo Congresso. “A mobilização dos servidores e empregados será fundamental para impedir a aprovação da Reforma. É preciso ter responsabilidade com o serviço público e proteger o Estado da destruição pretendida pelo governo privatista de Bolsonaro e Paulo Guedes”, ressalta o presidente da Fenae.