O jornalismo agora tirou do seu boné puído a história de que rico deixou de se comportar como rico. A conexão com o mundo real não existe
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Existe o jornalismo e existe o mundo real, e existem poucos vasos comunicantes entre um e outro. O jornalismo agora tirou do seu boné puído a história de que rico deixou de se comportar como rico.
A historieta surgiu no jornalismo americano e está sendo reproduzida pelo jornalismo nacional. A adesão ao “subconsumo”, com o perdão da palavra, estaria bem documentada em comunidades nas redes sociais que praticariam este novo hobby de rico: o de viver como pobre — pobre, aqui, entendido como alguém de classe média.
É o “menos é mais”. Ricos teriam renunciado a comprar roupas de grife, passado a dirigir carros usados e descoberto o prazer de cozinhar pratos à base de alimentos congelados, muito mais em conta. Francamente.
Sempre houve rico disposto a não parecer tão rico. Sempre foi uma minoria insignificante e sempre será. Em geral, são ricos mais intelectualizados, de fortuna mais antiga. Eles estão longe de comportar como se fossem de classe média, mas não ostentam tanto a sua riqueza como milionário árabe, oligarca russo, empresário comunista chinês e essa gente do agronegócio brasileiro que acha que São Paulo é igual a Nova York, com a vantagem de não ter de saber inglês.
Se rico está deixando de se comportar como rico, o jornalismo deveria explicar como é possível que a LVMH, o maior conglomerado de luxo do mundo, pertencente ao bilionário francês Bernard Arnault, tenha tido um lucro recorde de 84,7 bilhões de euros em 2024, apesar do contexto mundial difícil.
Aqui neste fim de mundo, o jornalismo teria de explicar também como é possível que se multipliquem em São Paulo, nos “bairros nobres” da cidade, lançamentos de prédios com apartamentos vendidos a R$ 40 mil o metro quadrado ou mais. Não é possível que jornalistas achem que apartamentos como esses serão decorados com móveis da Tok&Stok ou equipados com eletrodomésticos comprados no Magazine Luiza.
É intrínseco a gente rica mostrar a sua riqueza. Eram de ricos as joias exibidas nos museus de arte romana e medieval. Eram de ricos, principalmente, as casas com arquitetura, afrescos e mosaicos maravilhosos de Pompeia, na Itália, ou de Delos, na Grécia.
Vem sendo assim desde a aurora dos tempos, e o motivo é humano, demasiado humano, como resumido pelo ensaísta e analista de riscos libanês-americano Nassim Taleb, no livro A Cama de Procusto: “As pessoas o invejarão pelo seu sucesso, por sua riqueza, por sua inteligência, por sua aparência, por seu status — mas raramente por sua sabedoria”.
Outro aforismo de Nassim Taleb: “Você é rico se o dinheiro que você recusa tem um gosto melhor do que o dinheiro que você aceita”. O tal “subconsumo”, a modinha restrita que o jornalismo acha que é tendência geral, parece ter esse gosto para os seus adeptos. Mas eles voltarão ao velho normal no lançamento da próxima bolsa Hermès (e, por favor, pronuncie o “s” final do nome da marca).
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