Modelo, vigente há dois anos, promove mudanças na grade curricular e estabelece a oferta de disciplinas optativas em todas as escolas do país. Alvo de críticas por falhas na implantação, especialistas defendem debate dos ajustes necessários, em vez de simplesmente revogar o projeto.
O Ministério da Educação (MEC) deve suspender a portaria que estipula o cronograma de implementação do Novo Ensino Médio.
O modelo do Novo Ensino Médio, vigente há dois anos, promove mudanças na grade curricular, aumenta a carga horária, dá possibilidade para formação técnica e profissional e estabelece a oferta de disciplinas optativas em todas as escolas do país.
Embora os detalhes da suspensão da portaria ainda não tenham sido divulgados e dependam de reunião que está prevista para esta segunda-feira (3), o ministro da Educação, Camilo Santana, disse em entrevista ao "Diário do Nordeste" que as mudanças já implementadas desde 2022 não devem ser cobradas no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
"(...) Deveremos suspender qualquer mudança no Enem em relação a 2024 por conta dessa questão do novo ensino médio", disse Camilo Santana.
Ministro da Educação, Camilo Santana, tem desafio de levar ações de sucesso na educação do Ceará para o Brasil. — Foto: Fabiane de Paula/SVM
Novo modelo sob críticas
Neste ano, quando mais alunos passaram a seguir o novo modelo, houve críticas por causa da redução da carga horária dos conteúdos tradicionais.
Outro problema apontado é a possibilidade de ampliação da desigualdade entre escolas particulares e públicas diante da dificuldade de implantação do que prevê o Novo Ensino Médio (entenda mais sobre este ponto abaixo).
Também nesta segunda, Camilo Santana disse que "não é só simplesmente chegar e revogar; é preciso discutir [a reforma]". A pasta já havia se pronunciado sobre o assunto ao dizer que faria uma "ampla pesquisa com toda a comunidade escolar" para "corrigir distorções".
Portaria sobre o cronograma do Novo Ensino Médio
Entre outros pontos, a portaria 521 de 13 de julho de 2021 estabelece prazos para que políticas nacionais (como a de distribuição de livros didáticos a escolas públicas) e avaliações, como o Enem e o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), sejam modificadas pelas diretrizes do Novo Ensino Médio.
Para o Enem, um novo formato deveria ser aplicado já em 2024. A prova, que atualmente é igual para todos os candidatos, passaria a ter uma etapa específica, conforme as disciplinas optativas escolhidas pelo aluno na escola.
No caso do Saeb, 2025 é data de referência para publicação das novas matrizes de avaliação.
Além disso, a portaria apresenta um prazo para as etapas da ampliação da carga horária e da implementação dos itinerários formativos em todas as escolas de Ensino Médio.
2020: elaboração dos referenciais curriculares dos estados e do Distrito Federal, contemplando a BNCC e os itinerários formativos;
2021: aprovação e homologação dos referenciais curriculares pelos respectivos Conselhos de Educação e formações continuadas destinadas aos profissionais da educação;
2022: implementação dos referenciais curriculares no 1º ano do ensino médio;
2023: implementação dos referenciais curriculares nos 1º e 2º anos do ensino médio;
2024: implementação dos referenciais curriculares em todos os anos do ensino médio; e
De 2022 a 2024: monitoramento da implementação dos referenciais curriculares e da formação continuada aos profissionais da educação.
Problemas do atual cronograma, segundo Todos Pela Educação
Segundo a ONG Todos Pela Educação, há os seguintes problemas em relação ao atual cronograma:
as redes de ensino não tiveram acesso a um documento detalhado sobre o que o Enem passaria a cobrar a partir de 2024;
não há definições sobre como a formação técnica e profissional seria avaliada nas provas nacionais;
as obras do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) referentes ao novo ensino médio só começariam a ser recebidas pelas redes de ensino em 2024 - no mesmo ano, já seria aplicado o novo Enem;
o calendário não considera que a pandemia tenha atrasado a implementação dos novos currículos.
Novo ensino médio: o que é e quais são as críticas feitas a ele?
📝O que é o Novo Ensino Médio?
É um novo modelo obrigatório a ser seguido no ensino médio por todas as escolas do país, públicas e privadas.
A lei estipula aumento progressivo da carga horária. Antes, no modelo anterior, eram, no mínimo, 800 horas-aula por ano (total de 2.400 no ensino médio inteiro). No novo modelo, a carga deve chegar a 3.000 horas ao final dos três anos.
Desde 2022, as disciplinas tradicionais passaram a ser agrupadas em áreas do conhecimento (linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas).
Como será a nova grade curricular do Ensino Médio — Foto: Arte: g1
A partir de 2023, cada estudante passou a poder montar seu próprio ensino médio, escolhendo as áreas (os chamados "itinerários formativos") nas quais se aprofundará. A intenção é que sejam três anos de estudo com: esses conteúdos eletivos (1.200 horas focadas nos objetivos pessoais e profissionais dos alunos) + a parte fixa (1.800 horas de ciências da natureza, ciências humanas, linguagens e matemática).
Somando, chegamos a 3.000 horas-aula nos três anos. Antes, a lei estipulava uma carga horária mínima de 800 horas-aula por ano (ou seja, um total de 2.400 horas no ensino médio).
Foi criado também o chamado “projeto de vida”: um componente transversal que será oferecido nas escolas para ajudar os jovens a entender suas aspirações.
Cada rede de ensino tem a liberdade de distribuir a carga horária dos itinerários formativos da maneira como julgar ideal: tudo no primeiro ano ou espaçado ao longo dos três anos, por exemplo.
O ensino de língua portuguesa e matemática é obrigatório nos três anos do ensino médio. A lei não estipula um número mínimo de aulas dessas disciplinas por semana. O que importa é que elas estejam sempre presentes na grade.
Se antes o modelo antigo era visto mais como uma preparação para o ensino superior, agora, a proposta é dar uma formação mais voltada ao mercado de trabalho.
📢 Quais são as críticas ao novo modelo?
Entidades estudantis estão entre os principais críticos à reforma do ensino médio. Nas redes sociais, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) está engajada a favor da revogação do modelo e tem cobrado uma reforma do sistema educacional.
Entre os argumentos contrários estão:
Desde o retorno presencial após a pandemia, o programa atravessa diferentes níveis de implementação, variando de estado para estado.
Há escolas públicas sem infraestrutura para manter o novo formato. No novo ensino médio, cada colégio deve escolher, no "cardápio" de itinerários formativos elaborado pela sua rede estadual, no mínimo duas opções para oferecer aos alunos (matemática e linguagens, por exemplo). Com isso, em vez de uma turma grande ter a mesma aula às 8h, como era antes, serão dois grupos menores (um que escolheu matemática, outro que preferiu linguagens). Isso exige que a escola tenha duas salas de aula disponíveis no horário.
O aumento da carga horária, que era de 4 horas diárias e deve chegar a 7 horas por dia (turno integral) em 2024, não é atrativo para alunos mais pobres que precisam trabalhar. Fica mais difícil conciliar a escola com um emprego, o que aumenta o risco de evasão (se um jovem precisar daquele dinheiro, vai abandonar as aulas e focar no trabalho).
As disciplinas clássicas têm menos prioridade na grade com a entrada das novas ofertas. Em alguns casos, estudantes relatam ter ficado com apenas duas aulas na semana de português e matemática.
Alunos de escolas públicas em cidades menores, com menos recursos, vão acabar tendo um "cardápio" de itinerários formativos mais enxuto. Eles podem ser prejudicados em comparação com alunos de escolas privadas ou de municípios maiores.
Estudantes mais pobres podem ser desestimulados de seguir para o ensino superior porque, no novo formato do ensino médio, há disciplinas optativas que são profissionalizantes e que facilitam a entrada precoce do jovem no mercado de trabalho.
Entidades afirmam que a legislação que instituiu o Novo Ensino Médio não foi discutida com todos os setores da educação.
Precisamos de escolas com tecnologia, com professores atualizados e com condições de trabalho dignas e que valorizem nossas potencialidades e múltiplas inteligências.
— Ubes
📢 O que dizem os defensores do Novo Ensino Médio?
Favoráveis ao novo modelo, o MEC e os governos estaduais argumentam que o objetivo é tornar essa etapa do ensino mais atrativa para os estudantes. Assim como especialistas na área, que concordam com o formato, eles reconhecem, porém, a necessidade de se discutir e fazer ajustes a fim de aprimorar a etapa. Entre os pontos vistos como positivos estão:
Mais tempo em sala de aula: o novo ensino médio propõe ampliar o tempo de aulas diárias, adotando um formato de tempo integral. Até 2024, o dia letivo deve ter 7 horas, chegando a 1.400 horas/ano.
O novo formato também visa formar o aluno em ao menos um curso técnico já nesta etapa educacional, a fim de adiantar a entrada no mercado de trabalho.
A grade curricular é atualizada, mas nenhuma disciplina deve ficar de fora. Então, amplia-se o leque do que é ensinado aos alunos.
Disciplinas optativas podem tornar a etapa mais atrativa para os alunos, o que pode ajudar a combater a evasão escolar, que é maior no ensino médio.
📢 Qual a opinião de especialistas?
📚 Em entrevista ao g1 em fevereiro, a ONG Todos Pela Educação afirmou que o novo formato aponta para a direção correta, mas necessita de ajustes.
Nosso entendimento no Todos é que o caminho passa por fugir do binarismo - “revoga tudo” ou “deixa tudo como está”.
— Olavo Nogueira Filho, diretor-executivo do Todos Pela Educação
A entidade considera positiva "a ideia de uma arquitetura curricular diferente e da expansão da carga horária", mas vê dois problemas:
"A ausência de coordenação do governo federal nos últimos anos deixou os estados à própria sorte, gerando uma implementação muito heterogênea e, em muitos casos, problemática".
"Há, sim, problemas nas normativas. Isso precisa ser dito, pois não é apenas um problema de implementação". Entre as questões apontadas, estão: não levar em conta o avanço das escolas de tempo integral e permitir que 20% do conteúdo seja dado à distância.
Outro aspecto central para o Todos é que apenas a mudança no currículo não é suficiente.
Se queremos um ensino médio de fato ressignificado, será preciso abordar outros elementos também, como infraestrutura escolar, dedicação integral do professor a uma única escola, gestão escolar, projeto pedagógico, valorização e formação docente, entre outros.
— Olavo Nogueira Filho, diretor-executivo do Todos Pela Educação
✏ O Movimento Pela Base ressaltou, também em fevereiro, que o modelo tem o objetivo de "garantir uma educação de qualidade, conectada aos desafios de nosso tempo e aos interesses de cada estudante - e, assim, ajudar a reverter os desastrosos números do velho ensino médio, como aqueles de evasão e de aprendizagem".
A entidade alerta, no entanto, ser "imprescindível" fazer "um monitoramento cuidadoso e um diálogo permanente com gestores, professores, estudantes e famílias, que aponte o que está dando certo, assim como as demandas e carências do processo".