Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
A maior crise sanitária do século jogou luz e ampliou as desigualdades no ensino público no Brasil. Escolas fechadas, evasão escolar, problemas de aprendizagem, falta de estrutura nas escolas, queda nas matrículas e saúde emocional de alunos/as e professores/as abaladas são alguns dos problemas que a educação pública brasileira enfrenta.
De acordo com uma pesquisa divulgada pelo Datafolha, em janeiro, 4 milhões de estudantes abandonaram a escola durante a pandemia. As principais motivações foram a dificuldade do acesso remoto às aulas e problemas financeiros, em que os alunos que lideraram a taxa de abandono pertenciam às classes D e E.
Além disso, um em cada quatro brasileiros não têm acesso à internet, representando cerca de 46 milhões de pessoas, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad Contínua TIC), de 2018. Durante dois anos de pandemia de Covid-19, 38 milhões de alunos de escolas públicas enfrentaram 287 dias de escolas fechadas entre 2020 e 2021, segundo o Inep. A média equivale a quase um ano letivo e meio.
A professora de história da rede municipal de Maracanaú, município do estado do Ceará, que fica a 24 km da capital Fortaleza, Nivia Marques Monteiro, vivenciou esse drama de perto. “Muitos alunos não conseguiram acompanhar as aulas remotamente, a gente teve uma evasão muito grande por muitas questões (...). Aqui, a desigualdade social é grande e tinha alunos sem equipamentos para estudar, sem materiais, e daí muitos deles se afastaram da escola”, conta.
O município foi um dos últimos do estado a voltar às aulas presenciais devido aos muitos problemas estruturais nas escolas, adequação dos protocolos sanitários e escolas não padronizadas. O resultado foi muita defasagem de aprendizagem e problemas de evasão nas escolas.
O que a professora relata é comprovado pelo levantamento do jornal Folha de S. Paulo que aponta que o fechamento de escolas na pandemia em 2020 derrubou em 72,5% o aprendizado esperado.
Os dados da rede estadual paulista mostram ainda que o risco de abandono cresceu 365% durante o período em que as escolas ficaram fechadas e a falta de aulas presenciais fez esse risco médio crescer no mínimo 247% (ou seja, mais que triplicar), mesmo em cidades em que a pandemia foi mais leve.
Para Nivia, que também é secretária de políticas de gênero do Sindicato Unificado dos Profissionais em Educação no Município de Maracanaú (Suprema), o atraso nas tomadas de decisões da prefeitura, que cortou vários benefícios dos professores/as, levou docentes e estudantes a terem problemas físicos e emocionais.
“O ano de 2020 foi bem difícil aqui em Maracanaú porque quando veio a pandemia a gente teve um atraso grande em tomar uma decisão. As escolas foram fechadas, mas demorou a pensar como seria o ensino remoto e ficou todo mundo ansioso e confuso com o que estava acontecendo”, completa.
O documentário “Desconectados”, com pré-estreia agendada para esta semana, mostra histórias de como foi viver este isolamento, na voz dos que viveram na pele o que milhares de outras famílias passaram durante a crise sanitária.
Prejuízos para toda sociedade
A falta de coordenação do MEC do governo federal e a ausência de apoio para as prefeituras e estados levou o período sem aulas presenciais à desigualdade na oferta do ensino remoto, que esbarrou em problemas estruturais, como a falta de conectividade de rede de internet. Menos da metade dos estudantes brasileiros (39%) tiveram acesso às aulas de reforço durante o isolamento provocado pela pandemia, o que intensificou a desigualdade educacional.
“São prejuízos para toda sociedade e com certeza para a educação, que é uma parte fundamental do desenvolvimento do nosso país, sofreu muito porque não houve um investimento adequado durante e depois da pandemia”, afirma Ieda Leal, professora e secretária de Combate ao Racismo da CNTE.
Para ela, a educação está numa situação caótica porque houve perdas irreparáveis de colegas de trabalho, alunos que desapareceram na pandemia e famílias que foram devastadas. Segundo os dados da “Educação na perspectiva dos estudantes e suas famílias”, realizada pelo Datafolha, por outro lado, os alunos que tinham aulas online antes da pandemia foram menos prejudicados pelo fechamento das escolas, tanto no risco de abandono quanto na perda de aprendizagem.
“A pandemia aumentou a miséria, a desigualdade social e, de quebra, a desigualdade escolar. Se a gente não tem a condição normal de aprender, perdemos essa possibilidade e serão anos para retornar. Precisamos fazer um esforço para enfrentar essa disparidade entre alunos que conseguiram acompanhar remotamente com internet, aparelho celular, e tivemos alunos que não acompanharam porque tiveram problema de sinal e de energia”, finaliza a dirigente.
Como a reportagem da CNTE já mostrou, os desafios e esforços de estudantes, famílias e educadores no pós-pandemia ainda são grandes. Pelo país, professores e alunos sofrem com a ansiedade, depressão e outros problemas relacionados à saúde mental, principalmente com retorno das aulas presenciais, depois de dois anos de pandemia, e problemas estruturais nas escolas.