Modelo pode colaborar com a recuperação da aprendizagem dos estudantes que foram prejudicados ao longo da pandemia
O uso de tecnologias foi um dos caminhos encontrados por redes e escolas para garantir o acesso dos alunos à Educação em meio à pandemia. O ensino híbrido, que une estratégias on e offline, foi adotado para colaborar com a oferta de conteúdos. Mas é possível implementar a modalidade em qualquer escola ou turma? Que tipo de formação os professores precisam ter para aplicar metodologias como essa? E como garantir que estudantes com diferentes possibilidades de acesso à tecnologia tenham a mesma oportunidade de aprendizagem?
O ensino híbrido, ou ensino combinado, é um modelo que propõe que a aprendizagem aconteça tanto no espaço físico da sala de aula quanto em plataformas digitais de ensino. Nessa modalidade, o aluno aprende “uma parte por meio do ensino online – com algum elemento de controle do estudante sobre o tempo, lugar, modo e/ou ritmo do estudo – e uma parte em um espaço físico longe de casa”, segundo os pesquisadores norte-americanos Michael B. Horn e Helen Staker, autores de “Blended: Using Disruptive Innovation to Improve Schools” (2014), um guia prático do Instituto Clayton Christensen, que é uma das referências no tema nos Estados Unidos.
Além de permitir maior flexibilidade, o modelo foca também na personalização da aprendizagem. No livro “Ensino Híbrido: Personalização e Tecnologia da Educação” (2015), a autora Lilian Bacich explica que a variedade de recursos utilizados – vídeos, leituras, trabalho individual e colaborativo, entre outros – permite que os estudantes trabalhem em grupo com tarefas on e offline, que podem ser independentes, “mas funcionam de forma integrada para que, ao final da aula, todos tenham tido a oportunidade de acessar os mesmos conteúdos”.
Para a doutora em Ciências da Educação Karine Pinheiro, é fundamental compreender a “diversidade” dos alunos para atuar com o ensino híbrido. “O apoio das grandes redes em projetos na Educação Básica é importante porque diminui a carga de acompanhamento do professor, e, em projetos interdisciplinares, um docente ajuda o outro”, explica.
O ensino híbrido trabalha com dois modelos: o sustentado e o disruptivo.
Nos modelos sustentados estão inclusos a sala de aula invertida, a rotação por estação e o laboratório rotacional.
- Sala de aula invertida: o professor envia antecipadamente conteúdos para os alunos acessarem em casa e depois, em sala, tira dúvidas, promove debates e desenvolve atividades e projetos em grupo para aprofundar e sistematizar o aprendizado.
- Rotação por estação: os estudantes trabalham em estações que propõem atividades diferentes sobre um mesmo tema central (e uma parada inclui tecnologia digital). Os objetivos de aprendizagem são diferentes, mas complementares.
- Laboratório rotacional: a turma é dividida em dois espaços: um grupo trabalha no laboratório com uma lista de atividades para realizar, de maneira autônoma, com apoio da tecnologia digital, enquanto o outro trabalha na sala de aula, com o professor.
Já no modelo disruptivo acontece uma ruptura no conceito de espaço físico e no papel do professor, que não é mais o único detentor do conhecimento. O fio condutor é a aprendizagem online. Aqui temos as propostas à la carte, flex e virtual aprimorado ou enriquecido.
- À la carte: o estudante é responsável pela organização do próprio estudo, de acordo com objetivos de aprendizagem a atingir. Ele conta com a parceria do professor. A aprendizagem é personalizada (pode ocorrer no momento e no local mais adequados) e pelo menos um componente curricular é oferecido online.
- Flex: os estudantes têm roteiros personalizados a percorrer, com ênfase no ensino online. O professor fica disponível para atuar como tutor e tirar dúvidas.
- Virtual aprimorado: os componentes curriculares são ofertados de maneira online e o aluno vai para a escola uma ou duas vezes por semana para realizar projetos e discutir o que foi estudado remotamente.
Uso abrangente do modelo
Pensando em incluir mais estudantes e não deixar nenhum para trás, o gerente de Inovação em Educação do Instituto Unibanco, Cesar Nunes, sugere usar a definição de ensino híbrido de forma “abrangente”.
“Quando falamos do híbrido, falamos justamente de ter misturas, e elas podem acontecer, inclusive, só no remoto. Então, um aluno que não tem acesso à tecnologia, ainda assim, pode ter algum tipo de contato, seja com o material impresso, seja com outro colega que mora próximo”, explica Nunes.
O gerente de Inovação em Educação aponta que o desafio durante a pandemia é desenhar uma ação em que se use estratégias do ensino híbrido para colocar o estudante em um papel mais ativo na aprendizagem. “Mas, em cima disso, eu coloco mais uma camada de complicação, que é a diferença entre as condições de acesso”, salienta Nunes.
Para a professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Edméa Santos, a modalidade “lança mão das potencialidades dos espaços-tempo da escola”. Ela afirma que, na teoria, o ensino híbrido é para todos, mas para que o modelo funcione na prática é necessário “investir na inclusão digital, que é também social”.
Você sabia?
Recentemente, uma lei que garantia o repasse de R$ 3,5 bilhões do governo federal aos estados e municípios para oferecer internet aos alunos e professores de escolas públicas recebeu o veto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O Congresso derrubou o veto e a legislação foi sancionada.
No entanto, no início de julho, o presidente entrou com uma ação pedindo que o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendesse a proposta. Até o momento não há decisão, e a verba não foi disponibilizada para as redes.
Parlamentares da bancada da Educação e especialistas afirmam que a lei beneficiaria milhares de jovens que foram prejudicados na pandemia pela falta de acesso à internet e aos equipamentos necessários.
Edméa sugere uma mudança nas “concepções disciplinares de currículo” para adoção do ensino híbrido. Uma pesquisa feita pelo Instituto Unibanco, em parceria com o Insper, aponta que o modelo seria capaz de evitar até 40% das perdas causadas na aprendizagem.
“É preciso discutir o currículo, começar a exercitar um currículo que seja mais interdisciplinar e permita incluir, por exemplo, a pedagogia por projetos. Quanto mais trabalhamos de forma interdisciplinar, mais fazemos a articulação de saberes. Assim, conseguiremos lançar mão do que dispomos do presencial e do online”, sugere a professora da UFRRJ.
Pensando na adoção da modalidade no Ensino Médio, que terá menos tempo para recuperar as aprendizagens, Cesar Nunes sugere envolver o estudante nesse processo.
Segundo ele, a aprendizagem por projetos pode ser uma estratégia para tornar o processo mais significativo para o aluno. “O professor pode propor algo que o desafie, em que ele acredite e pense que será útil em algum assunto em que está envolvido.”
Conheça aqui como um professor de uma escola pública do Rio de Janeiro usa a tecnologia para personalizar o ensino de História para sua turma do 9º ano.
Envolver a família nesse processo é essencial, mas vale entender o melhor formato para cada escola, etapa escolar e até mesmo turma. “No Ensino Médio, os pais têm menos participação, mas acompanham a aprendizagem. A comunicação com as famílias é fundamental para o desenvolvimento integral dos estudantes”, explica Nunes.
Formação para professores
Para que o ensino híbrido funcione na prática, é preciso investir em formação continuada para professores e gestores escolares. “A maneira mais eficiente neste momento é aprender com os pares e na prática”, afirma Cesar Nunes, do Instituto Unibanco.
Ele sugere a criação de comunidades de práticas, como grupos de WhatsApp em que os educadores possam trocar experiências, discutir quais ferramentas estão adotando e que alternativas utilizam para alunos sem acesso à internet, por exemplo. “É muito mais difícil, neste momento, trazer algo centralizado e oferecido para todo mundo”, diz Cesar.
Karine conta que documentos internacionais apontam a importância do acompanhamento e cuidado de gestores escolares com o trabalho do professor. “Promover esses eixos de apoio ao educador e reconhecer a autonomia” são algumas etapas desse processo.
Ela avalia também ser “fundamental” olhar o planejamento. “Nosso planejamento não é rígido, mas deveria ser ainda mais flexível porque tem de haver uma escuta ativa dos diversos perfis que encontramos em sala de aula”, explica a doutora em Ciências da Educação.
Cuidar da saúde mental dos educadores também deve ser tema prioritário dentro das formações continuadas, indica Karine.