Falta de estrutura educacional, conhecimento das ferramentas digitais e sobrecarga na rotina escolar agravou estado de saúde mental de 72% dos professores
Muito se olhou para os professores durante a pandemia. Muito se elogiou a capacidade deles de superação das adversidades e a persistência em dar aulas. Fosse do jeito que fosse, eles não deixaram de comparecer em nenhum momento nesses últimos dezesseis meses.
Segundo estudo recente da UNICEF Brasil, 79% dos alunos assistiram aula pelo whatsapp neste período e isto só foi possível porque professores da rede, cerca de 2,6 milhões, passaram horas do dia fotografando páginas de apostilha de atividades para mandar aos alunos, além de gravar pequenos vídeos com explicações de conteúdo, entre tantas outras coisas. Sem contar nos que foram bater na porta do aluno que não aparecia ou não dava sinais de fumaça.
Os esforços foram estrondosos e o reconhecimento foi – e é – notável, tanto por parte das famílias dos alunos quanto da sociedade civil de forma geral. Mas é também incontestável a pressão que estes profissionais têm sofrido com todos os desafios que a pandemia impôs. Não à toa, 72% teve a saúde mental afetada e precisou buscar apoio, segundo pesquisa realizada com 9557 profissionais pela Nova Escola.
A classe de trabalhadores é uma das que mais sofre do chamado burnout, síndrome de esgotamento físico e mental, ainda enfrenta as angustias, medos e ansiedades por uma pandemia tão cheia de incertezas e que não se encerra no momento em que as aulas retornam ao formato presencial.
Os calendários das escolas exigem uma maleabilidade de todos. Das famílias que reorganizam com o leva-e-traz nem sempre diário e os horários alternativos de entrada e saída, da gestão escolar que precisa flexibilizar planejamentos e, claro, dos professores que enfrentam as incertezas de ambos os lados somadas ao contexto próprio de cada um.
O resultado é um número alto de professores com problemas de saúde mental. Entre os fatores apontados está a dupla jornada, a falta de formação no ambiente remoto, o excesso de atividades e a insegurança do futuro. As mulheres, que representam 85% da classe, apresentaram um maior nível de estresse por conta da jornada extra com casa e filhos.
Os responsáveis por resgatar muitos alunos da depressão, ansiedade e do estresse, se viram mergulhados no mesmo mar sem fim. E quem tanto cuidou, também precisou ser cuidado – o que era de se imaginar. Nas escolas privadas, o apoio e suporte vieram mais rápidos.
A Escola Vera Cruz, por exemplo, organizou uma jornada de cursos e formações para que os professores, e também coordenadores, pudessem se familiarizar com metodologias digitais, além do próprio ambiente e as ferramentas mais específicas. O mesmo aconteceu no Colégio Santa Cruz, na zona oeste da capital.
Ana Paula Gaspar, assessora de tecnologia educacional da escola Vera Cruz, conta que em uma semana a equipe dela organizou junto à gestão escolar um plano de contingência. “Quando a escola fechou totalmente ano passado, já tínhamos uma estrutura de apoio desenhada com equipes de atendimento e ações de suporte de tecnologia educacional”. A escola também criou uma Jornada Digital que continua aberta e disponível a qualquer outra escola. Em um semestre, fizeram mais de 5mil atendimentos individuais de equipes.
Com recursos financeiros e equipamentos tecnológicos, escolas como o Vera Cruz conseguiram rapidamente responder a uma demanda que era emergencial, mas mesmo sendo uma das queixas dos professores não foi o suficiente. Professores precisavam – e precisam – de apoio emocional, de escuta. De um espaço para que possam ser cuidados. Principalmente porque a demanda de trabalho é tamanha, que o esgotamento parece ser inexaurível.
Foi exatamente o que sentiu a professora Tânia Sztutman. “O trabalho não tinha fim, os problemas não tinham fim”, desabafa. “A gente estudou, adaptou aulas e atividades para o ambiente remoto, aprendeu a se vincular através da tela, a acolher à distância, e quando parecia que tudo iria ficar bem, que tínhamos uma rotina que funcionava, uma nova diretriz pública – pautadas nas normas de segurança da saúde – nos fazia refazer e começar mais uma vez do princípio”.
Para Tânia, a palavra “reinvenção” nunca fez tanto sentido e ela só foi perceber o tamanho do desgaste quando, no primeiro dia de retorno, foi colocar uma calça e se deu conta que nenhuma cabia. “Foram 12 quilos a mais e muito aprendizado acumulado”.
Na rede, obviamente, não foi diferente, mas quando estado e prefeitura se deram conta, rapidamente lançaram mão de programas e parcerias já existentes para expandir o atendimento aos educadores. No estado, o projeto Saúde Mental na Escola, em parceria com o Instituto Ame Sua Mente, envolveu 10 escolas estaduais da cidade de São Paulo com ações de sensibilização e rodas de acolhimento sobre as questões que envolveram a promoção da saúde mental, considerando o contexto crítico do início da pandemia e o momento delicado que os educadores se encontravam em meio a tantos desafios.
Criado e presidido pelo psiquiatra Rodrigo Bressan, a equipe do Instituto vem trabalhando em estratégias que auxiliam a comunidade escolar, partindo do princípio de que a saúde mental é um elemento imprescindível na condução tanto do período de distanciamento social, como no momento da reabertura das escolas.
Foram mais de 3200 profissionais atendidos. 97,5% deles dizem que o programa o ajudou a lidar com a própria saúde mental. 95% achou útil ou extremamente útil para compreender o impacto da pandemia e desenvolver estratégias de autocuidado, e outros 92.5% compreenderam a importância para vida pessoal.
Segundo Fatima Santana de Almeida, gestora da escola estadual Dom Agnelo, o programa Ame já era corriqueiro nas escolas, mas com a pandemia ele se estruturou, além de dar voz e vez aos profissionais. “Alguns tiveram muito, muito, medo de voltar e houve uma perda de autoestima muito grande”, conta. A gestora atribui a isto o longo período dentro casa, isolados dos colegas, sem ter com quem conversar e imersos nas próprias questões. “Alguns foram até o fundo do poço e precisaram de ajuda pra sair. Fizemos inúmeras reuniões, rodas de conversa e deixamos os canais com a gestão sempre abertos”.
Nas reuniões da escola estadual Dom Agnelo, professores assistiram vídeos e tiveram oportunidade de trocar angústias com outros colegas
O programa foi vital para recuperar os profissionais da educação. “Eu fico emocionada com os resultados porque eu vi a necessidade deste cuidado”, conta. “Na escola, sempre pensamos no acolhimento, na ideia de cuidar de quem cuida e quando a gente cuida do professor e do funcionário, eles passam a cuidar mais dos alunos e o resultado aparece no desempenho geral da escola. Se eu não tenho um professor emocionalmente estável, eu não tenho uma sala emocionalmente estável e os índices começam a cair. É um ofício de formiguinha e fico muito feliz que as secretarias tenham se reunido pra desenvolver esse trabalho com especialistas”.
A meta agora é formar os educadores pra que identifiquem sinais de estresse mental entre seus alunos, em sala de aula, para que eles não cheguem a desenvolver doenças como síndrome do pânico, distúrbios alimentares entre outros. Razões pelas quais, alguns chegam a abandonar a escola e cometerem suicídio.
“Temas como ansiedade e depressão já estão sendo trabalhados nos encontros formativos, tanto na turma de maio quanto na que teve iniciou agora em agosto. A perspectiva é atingir 70 escolas da Rede Estadual Paulista e beneficiar, aproximadamente, 300 educadores, entre lideranças escolares (diretores, vice-diretorias, supervisores de ensino), professores e núcleos pedagógicos”, conta Rodrigo Bressan.
Segundo ele, uma vez que os educadores recebem uma formação prática para lidar com alunos que já tenham algum tipo de transtorno ou que, eventualmente, possam desenvolver, os índices entre eles melhoram consideravelmente o que impacta, diretamente o desempenho escolar. E mais do que nota boa ou nota alta, estamos falando de aprendizado. Daquele que o aluno é realmente capaz de internalizar e carregar pela vida. Este ganho é saudável.
Nas escolas municipais, o programa foi implementado em parceria com o NAAPA, Núcleo de Apoio e Acompanhamento para Aprendizagem que atua no desenvolvimento de práticas pedagógicas para para crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade de qualquer instância. E para este momento da pandemia, ampliou o atendimento aos professores e educadores da rede com um programa de olhar específico à saúde mental. Foram quase 3600 reuniões voltadas ao acolhimento dos profissionais com acompanhamento psicológico. Principal tema desenvolvido nas rodas de conversa? Medo.
Medo de morrer, medo do futuro, medo das inúmeras possibilidades totalmente fora de controle. Professores sentiram – e sentem – medo. E para que a gente tenha, na ponta, alunos saudáveis, com capacidades plenas e integrais de aprendizado, é preciso cuidar deste sujeito que também cuida. O atendimento integral aos professores deve ser um olhar constante dentro das práticas educacionais e programas de formação continuada.
É preciso pensar que, para além do intelectual, professores carregam um corpo físico e emocional que também precisam de atenção e cuidado. Eles se esgotam e têm os limites pessoais. Professores choram e isto está longe de ser uma frase piegas. É pra que a gente não esqueça de que na frente da sala de aula existe um ser humano capaz de sentir emoções e sensações como todos nós. A vulnerabilidade é intrínseca.