POR MOISÉS DINIZ
Acabo de chegar de Tarauacá. Antes passei pelo seringal Mira Flores, aonde estava acontecendo uma ação do Saúde Itinerante. Ali o governador Tião Viana assinou convênios com as comunidades rurais de Tarauacá, Feijó, Jordão e Manoel Urbano, no valor de 3,4 milhões, para investir em desenvolvimento comunitário.
No seringal Mira Flores está sepultado Sólon da Cunha, filho do autor de Os Sertões, Euclides da Cunha, que subiu o rio Purus, bem ali ao lado, para definir os marcos fronteiriços entre Brasil e Peru no início do século passado.
Na sexta-feira, 8, fui participar da maior festa da história educacional de Tarauacá, junto com Jordão: a formação de 244 professores, a maioria da zona rural e 9 indígenas kaxinawás e yawanawás.
Mesmo participando da mesa e com direito à palavra, decidi não falar. Ali eu tinha 244 professores, 244 padrinhos e mais 1.000 pessoas de cada lado das arquibancadas. Por que não falar para tão expressiva e seleta plateia? Acho que ninguém entendeu.
Vamos retornar a 1988, quando eu ainda era Inspetor de Ensino de Tarauacá, um cargo de indicação política do PMDB, no poder com Flaviano Melo. Naquele ano se elegeu prefeito, o jovem Esperidião Júnior, do PMDB, com o apoio informal do PCdoB, que nascera 2 anos antes. O apoio informal se deu porque a banda conservadora do PMDB não aceitou coligação formal com os comunistas.
Eu obtive 55 votos para vereador e a chapa comunista, com índios e agricultores como candidatos, obteve generosos 173 votos. A legenda passou longe e nós aguardaríamos até 1992 para conquistar vagas na Câmara Municipal de Tarauacá.
Na educação, Josué Fernandes, Secretário de Estado de Educação, inovava com a proposta avançada de eleger os Inspetores de Ensino, através do voto dos professores de cada município. Em Tarauacá, nós concorremos e ganhamos. Mas, não entramos na disputa de qualquer jeito. Como dirigente da ASPAC e militante do PCdoB, construímos uma aliança com o jovem prefeito do PMDB, Esperidião Júnior, e ganhamos a eleição do outro candidato, ligado ao PMDB, hoje militante do PCdoB, o professor Narcélio Bayma.
Em todos os municípios do Acre, os candidatos vitoriosos que não eram do PMDB não assumiram. Eu fui o único oposicionista que assumiu o cargo, porque houve uma articulação local, envolvendo o prefeito, que neutralizou o deputado do município, Manoel Machado, do PMDB, e deixou o governador Flaviano Melo sem condições de ceder às pressões da banda conservadora do PMDB.
Naquele episódio, Josué Fernandes, um democrata de corpo e alma, foi derrotado pelos caciques do PMDB, que não aceitaram aquela “estória” de eleger os dirigentes do ensino e perderem a indicação dos cargos políticos. Eu fui “salvo” pela engenharia política local, que soube aliar poder popular com a banda progressista do PMDB.
E o que tudo isso tem a ver com a festa de colação de grau de ontem a noite?
Naquele ano, numa de nossas visitas ao rio Murú, em busca de reorganizar o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, encontramos a senhora Maria Farrapo, a Jóia, esposa do delegado sindical Julião, da comunidade Semeada, seringal Lancha.
Dialogando com a comunidade sobre os seus direitos, a primeira reivindicação foi o pedido de uma escola. O que fazer? Ninguém na cidade se dispunha a ir dar aula naquele seringal e lá não tinha ninguém alfabetizado, apesar de já estarmos no ano de 1988 do século vinte. E olhe que, naquele ano, o homem já pisara na lua há 19 anos!
Qual a saída? Convencemos o Julião a levar sua esposa para a cidade para ser alfabetizada nos finais de semana. Não havia nenhum programa formal. A Jóia foi alfabetizada pela professora Pilha, ex-vereadora do PCdoB e hoje secretária estadual de organização do Partido e esposa do hoje vereador comunista Luiz Meleiro. O tempo passou rápido como uma tempestade de infinitas pedras de diamante.
A Jóia concluiu o antigo primário, o primeiro grau, o ensino médio e, ontem, era uma das mais animadas professoras rurais que se formava em pedagogia pela Universidade Federal do Acre. O exemplo da Jóia foi aqui citado para ilustrar a presença de dezenas e dezenas de professoras e professores rurais que trilharam um caminho semelhante.
Naquele ginásio coberto estava a história de um quarto de século, envolvendo o Partido Comunista do Brasil, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e a antiga ASPAC, que se transformou no Sindicato dos Trabalhadores em Educação.
A Jóia, por exemplo, nesses 23 anos, continuou militante do PCdoB e delegada sindical de sua comunidade, depois que o seu marido decidiu viver na cidade com outra mulher. E hoje professora graduada de sua aconchegante Semeada.
Daria um livro relatar a história da professora Libânea, de 71 anos, esposa do líder camponês Hipólito, que participou da Rebelião de Alagoas contra os patrões seringalistas. A professora Libânea, militante do PCdoB há duas décadas e sindicalista, se formou ontem, junto com a sua filha e minha primeira comadre de Tarauacá.
Nessa história de resistência figuram personagens vivos e atuantes como Raimundo Lino, o Trovoada, José Sidenir, Chagas Batista e tantos outros combatentes da luta por terra e educação, vitoriosos ali, naquele ginásio de esportes, no anoitecer do dia 8 de julho de 2011.
A história segue envolvendo lutadores do sindicato rural e do sindicato da educação. Foram duas décadas e meia de luta para formar uma consciência avançada e conquistar vitórias ímpares nas margens lamacentas dos rios Tarauacá e Murú. Por isso que não falei, porque aquela mesa de autoridades estava toda torta, desencontrada com a nossa história e as nossas raízes.
Agora, como um relâmpago, vamos saltar para o ano de 2005, quando o ex-governador Jorge Viana decidiu investir na formação de terceiro grau para os professores rurais e indígenas. Quando foram anunciadas as vagas para Tarauacá, ficaram de fora os professores provisórios, municipais e estaduais.
Como aqueles homens de forte utopia, o professor Acioly, presidente do SINTEAC de Tarauacá, decidiu iniciar um movimento pela inclusão dos professores provisórios. Falo de utopia, porque era difícil convencer o Governo a investir em professores que poderiam não vir a se tornar professores permanentes.
Acioly nos ganhou para a proposta e passamos a envolver outros personagens. Eu estava no nosso primeiro mandato de deputado estadual e acionei o líder do Governo Jorge Viana na Aleac, deputado Edvaldo Magalhães, do PCdoB.
O SINTEAC de Tarauacá mobilizou outros municípios. A luta se estadualizou. Edvaldo Magalhães e eu, junto com outros deputados, como Naluh Gouveia, ganhamos o coração do Secretário de Estado da Educação e vice-governador, Binho Marques, que conquistou o coração do governador Jorge Viana. Os professores provisórios ganharam o direito de fazer faculdade em todos os municípios do Acre. Foram quase mil professores a mais.
Por isso que não dava para aquela festa deixar de fora os seus principais personagens. Não podemos mais permitir que a história, com as suas angústias e suas alegrias, fique de fora das festas vitoriosas do presente. Acioly devia estar naquela mesa, junto com lideranças rurais como Raimundo Lino, Chagas Batista, José Sidenir e tantos outros.
Naquela mesa não podia ficar de fora a professora Francisca Aragão, símbolo da educação de Tarauacá. A professora Francisca, junto com o Acioly, deveria ter direito à mesa e à palavra, para celebrar a história e os seus filhos. Uma falha inaceitável do presente descuidado, que não honra quem nos trouxe até aqui. O cerimonial da UFAC precisa pedir sinceras desculpas à história.
Mas, que não se culpe apenas o cerimonial da UFAC, porque ali, naquele ato, dava para perceber que, em Tarauacá, algo mais se perdeu que precisa se achar. E foi assim que eu decidi fazer um protesto, silencioso e elegante, enquanto posso fazer, e depois registrar, para que a história nunca mais seja descartada de nossas mesas e de nossas conquistas.