STF vai julgar correção do FGTS;
veja o que está em jogo e como pedir a revisão:
Ação Direta de Inconstitucionalidade
questiona a adoção da TR, já que a taxa não reflete a inflação; decisão
balizará todos os processos do assunto.
SÃO PAULO – Um julgamento no
Supremo Tribunal Federal (STF) marcado para a próxima quinta-feira (13) está
levando muita gente a resgatar a carteira de trabalho e começar a fazer as
contas. O assunto é a correção monetária do Fundo Garantidor do Tempo de Serviço
(FGTS).
Uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) – a de número 5090 – iniciada pelo partido
Solidariedade em 2014 questiona a adoção da TR, a Taxa Referencial, como índice
de correção. Por lei, os recursos depositados pelos empregadores no FGTS são
remunerados com juros de 3% ao ano, mais a variação do indicador – que, aliás,
é o mesmo que corrige a caderneta de poupança.
Até 1999, a TR costumava
acompanhar a variação dos índices de inflação. Mas, por conta de mudanças na
metodologia de cálculo, o comportamento do indicador “descolou” de outras
referências, como o IPCA e o INPC. Desde 2017, está em zero. “Com isso, o FGTS
passou a ser corrigido por um índice que não reflete o aumento geral dos
preços”, explica Daniel Coutinho da Silveira, sócio do escritório Silveira
Athias Advogados.
• O que é Taxa
Referencial e como impacta as suas finanças
A ação sustenta que usar a TR
como índice de correção monetária seria inconstitucional e feriria a garantia
de propriedade. “Isso porque a devolução do dinheiro ao trabalhador com
uma correção que sequer acompanha a inflação violaria o direito constitucional
ao patrimônio”, explica Murilo Aith, sócio do escritório Aith, Badari e Luchin
Advogados.
Além disso, a ação argumenta que,
ao aplicar um indicador inferior à inflação, a Caixa Econômica Federal – que
faz a gestão do Fundo – estaria se apropriando da diferença e contrariando a
moralidade administrativa.
Não é a primeira vez que o
assunto vem à tona. “Ao longo dos anos, muitas ações foram movidas
individualmente na Justiça contra a Caixa, e cada decisão trazia um
posicionamento individualizado”, explica Murilo Aith, sócio do escritório Aith,
Badari e Luchin Advogados.
Diante disso, todos os processos
relacionados à correção do FGTS foram suspensos em setembro de 2019, até o
julgamento do mérito pelo STF. A decisão foi tomada pelo ministro Roberto
Barroso, relator da ADI no Tribunal. Agora que o assunto foi pautado, a
expectativa pelo desfecho aumentou.
Desfechos possíveis
Advogados que acompanham o
assunto dizem que o histórico recente de decisões do STF leva a crer que o
desfecho sobre o FGTS pode ser positivo para os trabalhadores.
Em dezembro do ano passado, por
exemplo, o Tribunal definiu que é inconstitucional aplicar a TR para corrigir
débitos trabalhistas e depósitos recursais no âmbito da Justiça do Trabalho.
Segundo os ministros, devem ser aplicados o Índice Nacional de Preço ao
Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) e a Selic até o Poder Legislativo deliberar
a respeito.
O assunto também era alvo de duas
ADIs (números 5867 e 6021), da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça
do Trabalho (Anamatra), segundo as quais o uso da TR violaria o direito de
propriedade e a proteção do trabalho e do salário do trabalhador.
Em outra decisão, em 2013, o STF
já havia declarado inconstitucional o uso da TR como índice de correção
monetária de precatórios – que, grosso modo, são dívidas que os governos têm
por conta de processos na Justiça. O questionamento quanto ao indicador não
representar fielmente a inflação também constava em duas ADIs (números 4357 e
4425).
Como pedir a revisão do FGTS
Com a aproximação do julgamento
do caso pelo STF, trabalhadores que têm ou tiveram FGTS se perguntam sobre o
que fazer sobre seus casos específicos.
Segundo Aith, quem trabalhou com
carteira assinada entre 1999 (quando a variação da TR deixou de acompanhar os
índices de inflação) e 2013 pode ingressar com uma ação solicitando a revisão
do FGTS. A limitação, de acordo com o advogado, decorre da ADI – que, por ter
sido iniciada em 2014, faz referência até o ano anterior.
Outros advogados, como Silveira,
afirmam que a ação pode abranger um período maior, além de 2013. “O trabalhador
pode se limitar a dizer que a aplicação da TR é inconstitucional por não
refletir a inflação e, com isso, pedir a retificação do cálculo”, afirma.
Aith defende que os interessados
devem entrar na Justiça antes do julgamento do STF. Isso porque, diante das
cifras potencialmente bilionárias que a Caixa teria de pagar se for definida a
mudança do índice de correção, é possível que o Tribunal “module” – ou seja,
limite – os efeitos da decisão. E uma das formas de fazer isso poderia ser
estendendo o alcance dela apenas a quem já tiver um processo em andamento.
Na visão de outros advogados, não
é possível ter certeza disso no momento. “Por enquanto, é uma suposição, um
rumor”, diz Cristiane Grano Haik, advogada e professora mestre em Direito
Previdenciário e do Trabalho. Em outros casos, julgamentos semelhantes no
passado estenderam seus efeitos a todos os trabalhadores.
Para quem quiser se movimentar
nos próximos dias, os especialistas dão algumas orientações. “Dependendo do
valor da causa, é possível ingressar com uma ação sem ter de acionar um
advogado”, diz Silveira. O caminho são os Juizados Especiais Federais, nos
quais correm causas com valor de até 60 salários mínimos – ou R$ 66.000,
considerando o salário mínimo atual.
“É a Justiça Federal que processa
as causas de interesse da União e suas autarquias, como é o caso da Caixa, polo
passivo no caso da revisão do FGTS”, explica Silveira.
Se o valor da causa ultrapassar o
limite, o recomendado é contratar um advogado e ingressar com a ação na Justiça
Federal fora do Juizado Especial.
Para saber qual seria o valor da
causa, Cristiane orienta os trabalhadores a buscar junto à Caixa os extratos
das suas contas de FGTS. Eles servirão de base para calcular qual foi a
correção monetária aplicada e comparar com os valores que o trabalhador
acredita que deveria ter recebido, caso outro indicador fosse utilizado no
lugar da TR.
Fazer essa conta pode não ser
simples para todo mundo. Por isso, o ideal é buscar ajuda – seja com um
advogado especializado em matérias desse tipo, seja com um contador.
Mas há outras alternativas para
estimar os valores. No site da Justiça Federal no Rio Grande do Sul, por
exemplo, é possível encontrar o FGTS NET, uma planilha em Excel
que permite recalcular os rendimentos recebidos pelo trabalhador na sua conta
do FGTS usando o INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor, calculado pelo
IBGE, em vez da TR.
A Justiça Federal gaúcha também
tem no seu site o FGTS WEB,
uma versão online “turbinada” da planilha, que permite simular a atualização
tanto INPC quanto pelo IPCA-E e o IPCA. Para acessá-lo, é necessário fazer um
cadastro.
A planilha e o programa online
foram criados exatamente para que as pessoas possam calcular o tamanho da sua
causa de revisão do FGTS, verificando se é passível de correr em um Juizado
Especial ou não.
Na planilha, é necessário
preencher, mês a mês, os valores de juros e atualização monetária depositados
na conta do trabalhador no Fundo. Os números são encontrados nos extratos
fornecidos pela Caixa.
Fora isso, é preciso separar
documentos como RG, CPF ou carteira de habilitação, comprovante de residência,
carteira de trabalho e, segundo Aith, carta de concessão da aposentadoria para
quem já estiver aposentado. Segundo Cristiane, é possível encontrar modelos de
ações ou buscar ajuda para redigi-las junto ao próprio Juizado.